22 dias de greve: pelo direito de defender o serviço público
Como trabalhadoras e trabalhadores da saúde, defensoras/es incondicionais do serviço público 100% estatal, realizado por servidoras/es de carreira, compromissados com a política pública, com a manutenção e o aperfeiçoamento do atendimento à população, nós do SindSaúde/SC manifestamos, uma vez mais, nosso total apoio ao Sintrasem e a todas e todos trabalhadoras/es que vêm construindo essa greve fortíssima nos últimos 22 dias. Infelizmente, o prefeito e seus aliados agem como uma quadrilha, articulados com os principais meios de comunicação para difundir a ideia de que a greve das servidoras e servidores municipais é em defesa de privilégios, para instaurar uma visão distorcida da realidade em que ele, o prefeito, aparece para o público enquanto um sofrido administrador que só quer poder abrir uma UPA e novas creches.
Ora, ninguém discorda da ideia de inaugurar a UPA do Continente e novas unidades escolares no município de Florianópolis. O que não queremos é que a abertura desses serviços esteja condicionada à contratação de Organizações Sociais. O prefeito, entretanto, manobra com a opinião pública para tentar reduzir a discussão, despolitiza-la, e jogar os servidores contra a população. Se as OS são de fato a melhor saída, ou, como diz o prefeito, a única saída, por que então Gean não respeita a democracia, abrindo espaços de discussão amplos, audiências públicas, fóruns, permitindo a participação popular, proporcionando a discussão. Se a prefeitura sozinha não vê saída senão contratar OS, quem sabe a sociedade civil não poderia apresentar soluções possíveis...
A verdade é que a vontade de diálogo do prefeito Gean Loreiro (PMDB) é só para postar no Instagram, no Facebook, para servir de mote para as propagandas milionárias da prefeitura. Na prática, o prefeito ameaça com sanções, demissões, intimidação direta e indireta. Ele quer que as vozes dissidentes se calem. Assim, poderá governar ao seu modo, privatizando sempre que possível.
A maneira de fazer é empacotada. Cabe ao governante X ou Y aplicá-la na sua cidade ou Estado. Os ingredientes básicos: um serviço público que se deseje privatizar; um parlamento de vereadores ou deputados comprado; força policial para reprimir possíveis manifestações; mídia amiga para criar uma narrativa de “única solução possível”; investimento pesado em propaganda.
O prefeito Gean Loureiro seguiu a cartilha à risca e aprovou em tempo recorde o projeto que permite a entrada de Organizações Sociais para adminsitração de unidades de saúde e educação no município de Florianópolis. No dia 6 de abril, protocolou na Câmara de Vereadores o projeto de lei que chamou de “Creche e Saúde Já”. No dia 21, um sábado, um feriado nacional, estava com o projeto aprovado por 16 votos favoráveis e apenas 6 contrários. Apenas 15 dias de tramitação e nenhuma discussão aberta à comunidade num projeto que altera profundamente a forma da cidade pensar o serviço público para a população.
Foi assim que a prefeitura de Florianópolis enfiou goela abaixo as Organizações Sociais na vida da população. Atuando em unidades estaduais de saúde desde a primeira década dos anos 2000, as OS já demonstraram seu modo de operação.
1) Precarização do trabalho. Paga-se mal. Não há condições de trabalho adequadas e um ambiente de trabalho saudável. A rotatividade das trabalhadoras e trabalhadoras, por consequência, é alta. Vive-se com a incerteza de receber salários e outros direitos em dia, como nos casos recentes vivenciados por trabalhadores de OSs no Hospital Florianópolis, no Hospital de Araranguá, no SAMU em todo o Estado. O município de Biguaçu, que contratou a OS Isev para administrar o SUS municipal, também vivencia problemas com atraso salarial e precarização do serviço.
2) Qualidade do serviço fica comprometida. A grande rotatividade de profissionais já contribui para a queda da qualidade do atendimento. Não há continuidade, motivação e sensação de pertencimento entre quem trabalha. No médio prazo, a tendência já comprovada em diversas unidades é que a OS deixe de realizar atendimentos “mais caros” e passe a cumprir as metas acordadas com o município com procedimentos “mais baratos”. Isso, na prática, vai implicar no fechamento de serviços à população.
3) Não custa mais barato. A principal argumentação da Prefeitura ao tentar aderir ao sistema de OSs é a economia. Segundo o prefeito, o custo de manter o serviço através de OS será praticamente a metade do que custaria com a contratação de servidores públicos de carreira. O que isso quer dizer? Superexploração da mão de obra daqueles que forem contratados via OS. Quem vive em Florianópolis sabe que as/os funcionários da prefeitura não são ricos. Pelo contrário, têm de lutar anualmente por reposição salarial e pela dignidade em suas profissões. Além do fato de serem, nos casos da saúde e educação, lutadores incansáveis em defesa do serviço público de qualidade. Com OS, isso acaba. Além disso, no médio prazo, estudos comprovam que os contratos via OSs tornam-se tão ou mais onerosos aos cofres públicos do que administrar diretamente o serviço.
4) A gestão própria pode melhorar. Ao terceirizar o serviço a uma Organização Social, a prefeitura vai terceirizar o problema de gestão que lhe é incumbido. O caso da EBSERH no Hospital Universitário da USFC é emblemático neste sentido. Não obstante a luta da comunidade contra a entrada dessa empresa no HU, a UFSC firmou convênio que prometia aperfeiçoamento e centenas de contratações. De tudo o que se prometeu, até agora, viu-se muito pouco ou quase nada.
O SindSaúde/SC estará sempre pronto para lutar em defesa do SUS 100% público, estatal e de qualidade; mas é também pela experiência colhida nos últimos anos em Santa Catarina, que estaremos juntos com o Sintrasem na luta dessa greve que segue firme e forte, pelo futuro da serviço público. Florianópolis é referência em saúde da família, tem um dos melhores SUS municipais do Brasil, e deve isso ao trabalho árduo das suas servidoras e servidores. A escolha por OSs para abertura de novos serviços representa mais um retrocesso, é a escolha do caminho oposto ao que levou a cidade a ser reconhecida, mesmo com o subfinanciamento provocado pelo arrocho dos últimos anos.