Carta da mamãe Simone às trabalhadoras da Materninade Carmela Dutra
Relato de nossa passagem pela Maternidade Carmela Dutra
No dia 20 de fevereiro fui atendida na Maternidade Carmela Dutra, onde depois de mais de 15 horas de trabalho de parto nasceu minha primeira filha – Nina.
Desde que Nina nasceu fiquei procurando uma forma de agradecer a todos os profissionais, em especial da Maternidade, em especial às mulheres, pelo excelente atendimento que recebemos. Nenhum presente material poderia ser suficiente para expressar o tamanho de nossa gratidão. Então resolvi escrever essa carta e registrar esse elogio, que raramente vejo ser dado às servidoras. Pelo contrário, vemos sempre histórias de tragédias, denúncias e a tão conhecida mídia denegrindo a imagem do serviço público.
Desde quando engravidei ficamos pensando onde seria nosso parto. Mas não tinha dúvidas de que a melhor escolha seria pela maternidade pública. Aliás, todo nosso pré-natal foi feito na rede pública, com a equipe da saúde da família, todos os exames pela rede pública e não ficamos desassistidos em momento algum.
Depois de fazer uma visita à Maternidade Carmela Dutra, onde conhecemos todos os setores e rotinas e por sermos moradores de Florianópolis, optamos por fazer nosso parto lá.
Enfim, demos entrada na maternidade as 5 da manhã do dia 20 de fevereiro e fomos internadas logo depois já em trabalho de parto. No Centro Obstétrico fiquei no chuveiro praticamente o dia todo para aliviar as dores das contrações. Entre um nascimento e outro, uma enfermeira obstétrica vinha me avaliar e aplicava outras medidas de conforto-massagem, respiração, posições de alívio que foram determinantes pra aguentar tantas horas de dor. Ninguém regulou a quantidade de água ou o tempo que estávamos ali. E ali, recebi outras inúmeras formas de alívio para as dores também por uma estudante de medicina e pela própria médica que me assistia. Na hora do almoço eu e meu acompanhante, que estava comigo o tempo todo, recebemos uma gostosa alimentação, que é feita pela cozinha própria da Maternidade.
Quando as dores aumentaram, por volta das 15h a médica me ofereceu analgesia, o que naquele momento eu recusei, mas fiz uso mais tarde por volta das 17h.
Pouco depois das 19h, sem evolução do trabalho de parto, a médica que me assistia veio conversar e disse:
– Eu sei que você queria muito parto normal, mas já são muitas horas sem evolução e achamos melhor fazermos uma cesárea...
Pude ver nesse momento que ela realmente estava tendo empatia por nós, estava se colocando no meu lugar e realmente considerando minha escolha pelo parto normal. E tenho certeza que se eu tivesse dito “não, eu quero tentar parto normal custe o que custar...” ela teria respeitado.
Mas enfim aceitei a cesárea e logo fui encaminhada para o centro cirúrgico. Ali, uma nova equipe nos recebeu, com profissionais muito ágeis nos preparativos para a cirurgia, tudo muito rápido. Mas em nenhum momento eu fiquei em segundo plano. Me explicavam absolutamente todo e qualquer procedimento que seria feito. O anestesista por vezes fazia uma brincadeirinha e eu podia relaxar um pouco.
Em pouco mais de 40 minutos, Nina havia nascido, veio ao mundo chorando forte e saudável, com um leve desconforto respiratório. Meu companheiro nos acompanhou em todos os momentos.
Desde minha chegada na emergência da Carmela até minha saída do centro cirúrgico eu fui respeitada: na hora de uma contração quando todos esperavam passar, sempre tinha alguém pra dizer “respira” e por vezes eu ganhava uma massagem na região lombar – o que era realmente reconfortante naquele momento de dor. Fui respeitada nas minhas escolhas: ficar no chuveiro e não na cama, ficar de cócoras ou agachada em vez de deitada, o momento da analgesia. Enfim, eu tive liberdade pra viver esse processo que é só da mulher e do bebê. Ao mesmo tempo, tive segurança pois periodicamente vinham avaliar se Nina estava bem.
Depois da cesárea, fui para o posto 2 onde Nina dormiu colada em mim até o outro dia. Coladinha como se ainda estivesse dentro da minha barriga!
Nesse posto 2, não, o atendimento não foi diferente: profissionais muito pacienciosas, alegres, me ensinaram todos os cuidados com a Nina, que embora eu seja enfermeira e tenha algum conhecimento, a função de mãe é totalmente nova e diferente!
Na noite em que Nina nasceu, nós ouvimos das servidoras ou de acompanhantes várias vezes o quanto a Maternidade estava cheia. Ainda no Centro Obstétrico ouvíamos um bebê nascer atrás do outro e a equipe indo e vindo pra atender a todos. No Centro Cirúrgico não foi diferente, pude perceber que os servidores estavam com dificuldades até para jantar, pois haviam vários procedimentos a serem feitos entre partos e outras cirurgias. A hora de nascer não espera!
Foi visível a sobrecarga de trabalho nessa noite, mas nem por isso, em nenhum momento vi mal humor ou impaciência nas servidoras. Pelo contrário, todos e todas muito serenas.
Após nossa alta, uns dois dias depois, já em casa, tivemos dificuldades na amamentação. Nina simplesmente não mamava! Então voltamos à Maternidade para um atendimento no banco de leite. Cheguei lá desesperada, com dor nas mamas pois o leite havia “descido” naquele dia e Nina chorando de fome! É desesperador...
Pra nossa surpresa o Banco de Leite estava fechado... Nesse momento meu desespero triplicou, pensei: Pra onde eu vou? Era sábado, o que seria da Nina até segunda-feira?
Então decidimos perguntar no Posto 1 alguma orientação e nesse momento recebemos uma ajuda que foi determinante pro nosso processo. Duas técnicas de enfermagem, depois de nos dizer que o banco de leite estava fechado pois as funcionárias naquele dia haviam sido deslocadas para ajudar no Centro Obstétrico pela falta de funcionários, nos levaram pra uma sala e ajudaram Nina a mamar! Uma delas ficou conosco quase 2 horas, acalmando Nina e nos ensinando a mamar. Parou a rotina dela e fez por mim algo que só alguém que trabalha por amor pode fazer: romper as rotinas, dar seu tempo que sabemos o quanto é escasso nos hospitais para ajudar o outro, ajudar um estranho.
Nesse dia soubemos que o Centro Obstétrico está com quase um terço de sua equipe afastada por problemas de saúde e outros vários estão trabalhando sob o uso de medicações, trabalhando doentes por conta da falta de servidores. É o que leva ao fechamento de setores como o Banco de Leite. Essa falta de servidores é histórica no serviço estadual e alimenta um nefasto círculo vicioso de sobrecarga de trabalho constante que leva ao adoecimento e, em consequência, ao afastamento dos servidores. E esse afastamento sobrecarrega ainda mais os servidores que ficam trabalhando... é insano e desumano na minha opinião, do ponto de vista de gestão.
Infelizmente, gestões mudam uma atrás da outra e esse mesmo problema persiste. chegam novos gestores com o mesmo papo de eficiência, de otimização, mas não fazem o que precisa ser feito: CONTRATAR, pois a saúde se faz por pessoas!
Essas duas técnicas poderiam simplesmente ter dito: “o banco de leite está fechado, procure outro serviço”.Mas não! Me acolheram, me ajudaram e foram fundamentais para Nina continuar mamando pois, se não fosse essa ajuda, com certeza eu teria desistido, tamanho era meu desespero e cansaço nesse dia. E em nenhum momento elas nos julgaram por não saber amamentar, pelo contrário, as duas disseram “calma, no começo é difícil mesmo, mas você vai conseguir”...
Todos os dias eu lembro desse atendimento e desejo com todo meu coração que essas profissionais nunca percam esse amor pela profissão e esse sentimento solidário com a próxima. Hoje Nina mama sentada, deitada, de lado... mama até se esbaldar!
Importante dizer que em todos os setores que passamos poucos souberam que sou enfermeira e servidora da saúde. Uma ou outra pessoa olhou pra mim e disse: ”você não é a menina do sindicato?”. Em nenhum momento me apresentei como enfermeira ou como diretora do sindicato, o que me faz acreditar realmente na universalidade do atendimento na Maternidade.
Por fim, quero registrar nossa passagem pela Maternidade Carmela Dutra deixando nossa eterna gratidão. Não citei nomes das pessoas pois não lembro de todos e não poderia deixar ninguém de fora.
Nossa eterna gratidão:
À equipe médica e de enfermagem dá emergência pelo acolhimento amoroso;
À equipe de enfermagem e médica, pediátrica do Centro Obstétrico e Centro Cirúrgico pela paciência, pelo carinho, por todas as medidas de conforto, pelo respeito e pelo profissionalismo;
Aos estudantes de medicina e estagiários pela ética, pelo carinho e atenção;
Às equipes de enfermagem e médica, pediatras do posto 2 pela atenção carinhosa, pela ajuda nos cuidados, pelos ensinamentos;
À equipe do banco de leite que nos ajudou na amamentação enquanto estávamos internadas;
Às profissionais do posto 1 pela ajuda imensurável e determinante que recebemos naquele momento de crise;
E a todos os profissionais de apoio – limpeza, segurança, copa, manutenção (arrumaram nosso chuveiro!) administrativos que tivemos menos contato mas em todos os momentos sempre muito atenciosos e pacienciosos!
Sou enfermeira e militante da saúde há mais de 10 anos e tenho orgulho de ser dessa categoria e de defender a saúde pública estadual. Nunca tive dúvidas, e agora essa experiência me dá ainda mais certeza de que nossa luta pela contratação de servidores e em defesa da saúde pública 100% estatal é o certo e o que vale a pena!
Simone Bihain Hagemann e Nina Bihain Marinony
Florianópolis, março de 2017.