Novo gestor do SAMU defende “mais Estado” na administração do serviço
O noticiário das últimas semanas evidenciou mais uma vez os problemas na gestão do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) em Santa Catarina. O caso da morte de uma menina de dois anos, que não foi transferida para o hospital a tempo por falta de combustível em uma ambulância do SAMU, provocou uma ação emergencial da Secretaria do Estado de Saúde (SES), que designou um Tenente Coronel do Bombeiro Militar para acompanhar os últimos meses de contrato do Estado com a Organização Social responsável pelo serviço – SPDM – e para encabeçar o planejamento de um novo modelo de gestão a ser adotado a partir de janeiro.
O Ten. Cel. João Batista Cordeiro Júnior assumiu essa tarefa e, em entrevista ao SindSaúde/SC, falou sobre o que já está planejando para o futuro do SAMU. Hoje o SAMU é apenas uma das unidades de saúde geridas por OSs no estado, como: Hemosc, Cepon, Hospital Regional de Araranguá, Hospital Regional de São Miguel do Oeste, Hospital Infantil de Joinville, Hospital Florianópolis, entre outras.
As denúncias de má gestão são inúmeras: falta de medicamentos; fechamento de serviços por custos altos à unidade, como a ala de queimados do Hospital Infantil de Joinville; vagas de UTI sem regulação; alta rotatividade de trabalhadores; inúmeras ações judiciais; salários atrasados; assédio moral.
Analisando apenas o caso do SAMU, a gestão privada se tornou mais cara aos cofres públicos que a gestão estatal. Em cinco anos, ele passou de um orçamento de R$ 2,5 milhões (quando tinha gestão pública) para R$ 9,6 milhões. E o aumento do investimento não se reflete em uma melhoria das condições de trabalho e oferta do serviço à população catarinense.
Apesar de reconhecer os problemas ocasionados pela concessão do SAMU para administração de uma Organização Social e de defender mais “participação do Estado”, o novo gerente do Serviço não garante a contratação de servidores via concurso público e admite possibilidade de suprir o quadro de profissionais através de empresas terceirizadas, outra OS e processo seletivo. Leia mais na entrevista a seguir.
Quais seriam as soluções para os atuais problemas do SAMU?
Eu estou assumindo agora uma gerência que tem um contrato com a SPDM que faz a administração do SAMU estadual – responsável pelo suporte avançado até dezembro. A partir de dezembro temos que avaliar se ficaremos com esse tipo de modelo – imagino que não. O que estamos construindo é a ideia de fazer uma gestão própria do Estado, por que precisamos otimizar os recursos hoje disponíveis para essa estrutura e melhorar, potencializar o serviço.
A gente vê que a melhor forma é integrando os sistemas de atendimento hoje existentes no estado. Nós temos o Corpo de Bombeiros que tem 120 viaturas diuturnamente fazendo serviço, temos o Estado fazendo suporte avançado em 23 unidades, temos os municípios com 97 unidades de SAMU municipal. E não estão integrados. Vamos tentar construir um modelo integralizado.
Quando o Estado optou pelo modelo de OSs para o SAMU e algumas outras unidades hospitalares em Santa Catarina, o argumento era justamente parecido com o que o senhor defende – “otimizar os recursos e potencializar o serviço” –, mas o que se observou foi um aumento do custo de operação...
O que eu tenho por conceito de otimizar: melhor usar. Então, hoje o Estado tem estruturas próprias, né? Quando você contrata uma OS, ela não vai ter imobiliário, não vai ter edificações, então vai ter que alugar. Então vai sair mais caro, né?
Outra questão: o Bombeiro tem toda uma estrutura de comunicação, por exemplo. O SAMU teve que criar outra e que hoje inclusive precisa atualizar seu modelo para o digital. Então só agora teria que se gastar mais R$ 1,2 milhão com equipamentos novos, enquanto no Bombeiro já tem. Então acho que isso é um exemplo de otimizar recursos.
O senhor entende então que, aplicado à área da saúde, o modelo de OSs não faz muito sentido...
Não para administrar tudo. Talvez a gente vá ter uma OS para contratar as pessoas, porque a gente vai ter que contratar as pessoas.
Uma empresa estatal?
Pode ser uma empresa estatal, pode ser uma OS – que a princípio não visa lucro, só tem uma taxa de administração de 3% –, existe a lei da terceirização também, que permite que uma empresa terceirize o serviço fornecendo só o pessoal, médicos, enfermeiros e os outros profissionais necessários. Também pode ser concurso público, mas eu vejo que o Brasil não está caminhando para isso, o mundo não está caminhando para isso. Os serviços com concurso público são só os serviços extremamente essenciais.
Não existe então nenhum direcionamento sobre a forma que esses profissionais vão ser contratados?
A gente tem o tempo contra nós. Hoje eu estou gerindo o SAMU e gerindo o processo de construção desse novo modelo. Então não tem nenhum pacote pronto e não temos nenhuma definição, mas em no máximo 60 dias temos que ter essa definição. Tem que já ter sido discutido com a sociedade, com os entes, com os funcionários, com o estado, com os conselhos, com todos os envolvidos, com a Assembleia Legislativa, para que no próximo momento já se encaminhe projeto de lei, a parte protocolar, comecemos já a contratar para começar a formar esse pessoal. Não é só contratar para o dia primeiro de janeiro. Vamos ter que contratar um mês antes, um pouco antes, para formar essas pessoas.
Vai haver algum tipo de garantias, uma preferência, para facilitar a permanência das pessoas que já estão trabalhando contratadas pela SPDM no SAMU? Até porque essas pessoas já estão capacitadas...
Eu vejo que elas estão no mercado, já trabalhando nisso, muitas têm vocação para esse serviço, então quando se faz um chamamento tem como aproveitar esse know-how, prestigiar, pontuar isso. Não dá para dizer assim “eles vão sair de lá e vir para cá”, não é assim que funciona, mas há formas. Quando se faz um concurso público, tem a prova de títulos, de experiência, isso pontua.
Pelo que o senhor disse até o momento, apesar de ser uma opção, é difícil que ocorra um concurso público...
Eu estava falando do concurso público, mas o chamamento também pode ser assim, prestigiando a experiência.
Na ALESC existe um projeto de lei tramitando que amplia as funções permitidas aos bombeiros voluntários. Essa seria uma das opções consideradas pela SES para o SAMU?
Eu vejo que o voluntariado tem que ser estimulado, mas que tem que haver também a presença do Estado, no regramento, na cobrança, na formação. E, como tem uma lei para indenizar os voluntários, dá pra fazer esse vínculo e os voluntários ajudarem nesse processo.
O secretário de saúde, Vicente Caropreso, declarou ao Diário Catarinense que a meta até o final do ano seria encontrar meios para reduzir o custo de operação do SAMU de R$ 9 para R$ 7 milhões.
Eu não vi essa declaração, só vi na imprensa uma nota. Eu não ouvi essa palavra do secretário. A missão que ele me passou é melhorar o serviço, potencializar o serviço, só que otimizar os recursos. Não jogar fora dinheiro em aluguel, por exemplo. Ontem fui a Blumenau, tinha lá uma sede alugada, que além disso, para estar de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde tem que investir mais de R$ 160 mil nesse imóvel alugado. Então ontem já definimos que a sede virá para o Corpo de Bombeiros, aí não vamos pagar nem aluguel e nem os R$ 160 mil. E não quer dizer que o serviço fica pior, só vamos otimizar os recursos, e o que economizarmos lá vamos usar em outra área que precise.
A chegada do senhor ao SAMU coincidiu com um momento de notícias negativas sobre o SAMU na imprensa, como o caso de óbito por falta de combustível na ambulância, atrasos salariais recorrentes, etc. O senhor concorda que existe um problema de gestão a ser corrigido?
Essa questão da aproximação do Corpo de Bombeiros com a saúde no atendimento não é de hoje. Há uns três anos eu tinha feito um trabalho científico nessa área e a gente já vem conversando. Eu trabalho junto com os profissionais de saúde. Eu sou piloto do helicóptero Arcanjo, então a gente tem essa relação ainda. Essa aproximação vem há bastante tempo. Talvez um fato específico tenha culminado na minha chamada, mas é algo de tempo. Temos consciência que o modelo do SAMU em SC através de OS já está há quase 13 anos e temos que avaliar. É o momento de avaliar o término de contrato. Estamos fazendo isso.
Existe algum modelo de outro estado que possa servir como exemplo para SC?
Sim, estamos pegando vários exemplos de outros estados e de fora do Brasil e estamos trazendo os exemplos dos serviços melhores elaborados para nós. Estamos vendo também o que é bom no Bombeiro, o que é bom no SAMU. Vamos integrar as estruturas para chegar com um serviço melhor para a sociedade.
Algum estado que possa ser citado como bom exemplo?
São Paulo tem algumas coisas boas algumas coisas ruins, Minas Gerais e Brasília também. Todos os lugares tem prós e contras, então vamos tentar agregar os prós.
O SindSaúde/SC tem como bandeira a defesa do SUS e para o SAMU defende um modelo consórcio público, com abertura de concurso e prova de títulos . Qual sua visão sobre o SUS? Que tipo de modelo defende?
O SAMU é a porta de acesso ao SUS. O SUS é um sistema que tem poucos recursos e muito o que fazer. Então precisamos agregar valor a esse sistema para termos um serviço melhor e que a gente atenda as políticas nacionais de atendimentos de urgência para não sobrecarregar o SUS. Estamos pensando assim. Temos ideias, nada pronto ainda.
Se a gente diminuir a negativa por telefone, de repente construindo dentro do sistema um suporte intermediário à vida, com enfermeiros em, por exemplo, 40 unidades de suporte básico. Nós vamos fazer duas coisas: diminuindo a negativa por telefone e vamos permitir a regulação médica. Tenho certeza que muitas pessoas não vão ser levadas à porta do SUS sem necessidade. Então a gente vai melhorar o serviço pro cidadão e também vai otimizar os recursos.
Com mais participação do Estado, é o que o senhor está defendendo até agora...E grande parte dos problemas do SAMU vem em decorrência do Estado ter abrido mão desse papel.
Isso mesmo. Então estamos trazendo o Estado de volta para essa questão. A questão de contratação de pessoas é uma questão legal. Hoje se formos querer abrir concurso público para colocar essa quantidade de pessoas no Estado, a Lei de Responsabilidade Fiscal não deixa fazer. Nós já estamos no limite prudencial. Eu não sou contra o serviço público, eu sou a favor, sou funcionário público. Mas temos que ver uma forma de integrar efetivos grandes, mais de mil pessoas no sistema, e que a gente possa estar cumprindo as legislações. Talvez a gente consiga que um percentual desses venha através de concurso público, mas é uma construção, vamos estudar. Boa vontade e conversa com quem for preciso, com os sindicatos, com todos é o que a gente vai fazer.